Luciana
Como já publicado aqui o Juiz titular da 1ª Vara de Araioses, Dr. Marcelo Fontenele Vieira, negou o pedido da prefeita Luciana Trinta para anular o julgamento de Contas da Câmara Municipal de Araioses, que desaprovou as suas contas referente a Administração do Município no ano de 2010, julgadas irregulares pelo TCE.
Veja abaixo – na íntegra – a sentença onde o magistrado deixa bem claro que a alegação da prefeita não pode ser utilizada, pois macula o Princípio da Independência dos Poderes.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO – 1º GRAU
1ª VARA DA COMARCA DE ARAIOSES
Processo nº 0801574-61.2020.8.10.0069
Autor(a): LUCIANA MARÃO FELIX
Ré(u): MUNICÍPIO DE ARAIOSES e CÂMARA MUNICIPAL DE ARAIOSES
S E N T E N Ç A
LUCIANA MARÃO FELIX, devidamente qualificada na petição inicial, ajuizou a presente ação anulatória de Julgamento de Contas c/c Pedido de Tutela de Urgência, em face da Câmara Municipal de Araioses e o Município de Araioses, ao argumento de que teve suas contas, relativas à Administração do Município no ano de 2010, julgadas irregulares pelo TCE (Processo nº 1633/2018), o que determinou o juízo de reprovação pela Câmara Municipal de Araioses, o qual alega está eivado de nulidade.
Aduz a Autora que: “(…) o processo acima aludido padece de vícios insanáveis de intimação, eis que não houve ciência formal da autora acerca dos atos processuais praticados, impossibilitando por completo o conhecimento do desfecho dado ao processo, inviabilizando o exercício amplo da defesa e do contraditório”, havendo a Casa Legislativa deixado de proceder à intimação pessoal da autora acerca do processo aberto com vistas ao julgamento final das suas contas, para “criar óbice à candidatura da ora autora, abrindo caminho para uma possível impugnação da candidatura pretendida, a qual teria por base o supracitado ato decisório da Casa Legislativa de Araioses que se reputa ilegal e não pode, portanto, fazer pesar seus efeitos deletérios sobre os direitos de Luciana Marão Felix”.
Inicial acompanhada de documentos sob ID 35339977 usque 35339991.
Sob ID 35350427, foi indeferido o pedido de tutela de urgência.
Embargos de Declaração com efeitos modificativos (ID 35587374) improvidos no piso (ID 37311349) e providos em segundo grau (ID 36788225).
Juntada do Processo Administrativo da Câmara Municipal referente à prestação de contas de governo de 2010, de responsabilidade da Autora ao ID 46714467.
Citados, os requeridos não contestaram o pedido, conforme teor da certidão de ID 39261004.
Com vista dos autos para parecer conclusivo, o MPE opinou pela improcedência do pedido (ID 90840982), acompanhado de documentos (ID 90840989).
Resumidamente relatados.
DECIDO.
Não há questões preliminares a serem apreciadas, nem irregularidades processuais a serem sanadas.
Considerando a ausência de apresentação de defesa pelos réus, DECRETO a revelia destes, mas desacompanhada de seus efeitos, considerando que litígio versa sobre direitos indisponíveis (CPC, art. 345, II).
Passo ao julgamento de mérito propriamente dito.
A equidistas da questão reside no fato de que não teria havido ciência formal da Autora quanto aos atos processuais de julgamento da contas praticados, o que teria impossibilitado “(…)por completo o conhecimento do desfecho dado ao processo, inviabilizando o exercício amplo da defesa e do contraditório(…)” pela parte autora.
Em outras palavras, afirma a parte autora que a Casa Legislativa teria deixado de proceder com a sua intimação pessoal (sobre processo aberto com vistas ao julgamento final das contas por parte da referida Câmara Municipal) impossibilitando qualquer manifestação sua, no bojo do daquele procedimento, o que teria gerado flagrante nulidade no processo, pois violada estaria a garantia à ampla defesa e ao contraditório.
Outra questão alegada pela requerente é a de que deveria, a Câmara Municipal, ter[1]lhe nomeado um defensor dativo, considerando que era “revel”, o que, ante essa omissão, demonstraria ofensa expressa ao disposto no art. 218, XII, do Regimento Interno da Câmara Municipal de Araioses.
Passo a manifestar-me sobre a nulidade da citação.
A realidade indica, no caso concreto, a existência de notificação/intimação para o oferecimento de defesa. Entretanto, a notificação foi realizada por meio dos correios, de forma pessoal, conforme “AR’s” juntados (ID 35339984 – págs.1/7).
Regra geral, a citação deve ser feita pessoalmente ao réu, executado ou interessado, bem como, na pessoa do representante legal ou procurador, sob pena de nulidade, conforme determina o art. 242, caput, do CPC.
Excepcionalmente, contudo, presume-se válida a citação realizada na pessoa daquele que aparentava ter poderes para receber a citação, portando-se como se fosse legitimado para tanto embora não fosse o demandado tampouco representante dele.
Eis a teoria da aparência, inspirada na proteção à confiança e boa-fé objetiva, aplicada à citação processual. No âmbito processual a teoria da aparência é corolário dos princípios da instrumentalidade das formas (arts. 188 e 277 do CPC), lealdade e boa-fé processual (art. 5º do CPC).
De fato, a teoria da aparência sana a invalidade pela ausência de pessoalidade na citação, frente a uma situação putativa que induz à presunção de que o destinatário original da comunicação processual tomou efetivo conhecimento da demanda.
Registre-se que, antes da entrada em vigor do CPC/2015, o STJ não admitia, para pessoa física, a aplicação da teoria da aparência, condicionando para a validade da citação pelo correio a entrega da correspondência diretamente ao destinatário, com sua assinatura no AR, não sendo possível que o porteiro do condomínio recebesse a comunicação.
O novo CPC, contudo, derrogou, em parte, para as pessoas físicas tal entendimento jurisprudencial.
Com efeito, o § 1º, do art. 248, do CPC, mantém a regra geral de que, a carta de citação deve ser entregue diretamente na pessoa do citando mediante sua assinatura. Entretanto, o § 4º abriu uma importante exceção à pessoalidade da citação ao permitir que nos condomínios edilícios ou loteamentos o porteiro receba a citação e assine o aviso de recebimento, superando o entendimento jurisprudencial até então dominante.
Acerca do tema, a jurisprudência recente do colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
“AÇÃO MONITÓRIA. REVELIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.
EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CITAÇÃO POSTAL. MANDADO
CITATÓRIO RECEBIDO POR TERCEIRO. IMPOSSIBILIDADE. RÉU
PESSOA FÍSICA. NECESSIDADE DE RECEBIMENTO E ASSINATURA
PELO PRÓPRIO CITANDO, SOB PENA DE NULIDADE DO ATO, NOS
TERMOS DO QUE DISPÕEM OS ARTS. 248, § 1º, E 280 DO CPC/2015. TEORIA DA APARÊNCIA QUE NÃO SE APLICA AO CASO. NULIDADE DA CITAÇÃO RECONHECIDA. RECURSO PROVIDO. 1. A citação de pessoa física pelo correio se dá com a entrega da carta citatória diretamente ao citando, cuja assinatura deverá constar no respectivo aviso de recebimento, sob pena de nulidade do ato, nos termos do que dispõem os arts. 248, § 1º, e 280 do CPC/2015. 2. Na hipótese, a carta citatória não foi entregue ao citando, ora recorrente, mas sim à pessoa estranha ao feito, em clara violação aos referidos dispositivos legais. 3. Vale ressaltar que o fato de a citação postal ter sido enviada ao estabelecimento comercial onde o recorrente exerce suas atividades como sócio administrador não é suficiente para afastar norma processual expressa, sobretudo porque não há como se ter certeza de que o réu tenha efetivamente tomado ciência da ação monitória contra si ajuizada, não se podendo olvidar que o feito correu à sua revelia. 4. A possibilidade da carta de citação ser recebida por terceira pessoa somente ocorre quando o citando for pessoa jurídica, nos termos do disposto no § 2º do art. 248 do CPC/2015, ou nos casos em que, nos condomínios edilícios ou loteamentos com controle de acesso, a entrega do mandado for feita a funcionário da portaria responsável pelo recebimento da correspondência, conforme estabelece o § 4º do referido dispositivo legal, hipóteses, contudo, que não se subsumem ao presente caso. 5. Recurso especial provido.” (REsp 1840466/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 22/6/2020) (grifo meu).
É importante atentar que o porteiro pode se negar a receber a citação, desde que declare por escrito, sob pena de falsidade, que o destinatário está ausente. Perceba[1]se que, no silêncio, presume-se, o porteiro do condomínio, legitimado a receber a citação em nome da pessoa física. Trata-se de uma presunção relativa (juris tantum) que pode ser elidida, desde que haja prova em contrário.
In casu, restou comprovado que o AR foi entregue no endereço do condomínio em que reside a Autora, já que coincidente com o endereço fornecido na petição inicial, e, em sendo assim, as correspondências são recebidas por funcionário da portaria, afastando assim qualquer ilegalidade sobre não ter sido notificada/intimada.
Desse modo, a meu ver, no bojo do processo legislativo há que prevalecer a presunção de que a notificação, cujo AR restou assinado pelo porteiro do condomínio edilício, chegou às mãos do requerente, não havendo falar, assim, em nulidade do ato.
Afastada a alegação de revelia, resta murcha a alegação de não nomeação de defensor dativo pela Casa Legislativa à Autora.
Ad argumentadum tantum, não há que falar em nulidade quanto a não nomeação de defensor dativo, para a Autora, pela Casa Legislativa, ante a absoluta ausência de previsão no Regimento Interno daquela casa legislativa.
De fato, não é possível a contratação/nomeação de advogado dativo pelas Câmaras Municipais para a defesa de Ex-Prefeito em processo de julgamento do Parecer Prévio emitido pelo Tribunal de Contas, em face da ausência de previsão legal que exija a representação da parte interessada, por intermédio de advogado, para a realização dos atos oriundos do processo de julgamento político-administrativo.
Ademais, é suficiente para o cumprimento dos preceitos constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa que a Casa Legislativa cientifique o titular das contas para que, em prazo razoável, exerça a faculdade de se defender, o que ocorreu no presente caso.
Assim, ante a presença de previsão expressa no Regimento Interno da Câmara Municipal de Araioses quanto ao indeferimento das contas do executivo e, considerando, mais, que o ato administrativo está aparentemente revestido das formalidades exigidas, formalizado mediante Decreto Legislativo nº 04/2019 (ID 35339983-pág.15), a alegação de nulidade não pode ser utilizada para suspender os efeitos do julgamento das contas pela Câmara Municipal, sob pena de mácula ao Princípio da Independência dos Poderes.
Ante o exposto, NÃO ACOLHO o pedido, julgando o feito com resolução de mérito, na forma do art. 487, I, do CPC.
Custas e honorários pela parte autora, no patamar de 10% sobre o valor da causa.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Arquivem-se, oportunamente.
Araioses, 25/04/2024.
Marcelo Fontenele Vieira